O avô do TAP

por Alexei Henriques

O sapateado americano nasceu nas ruas de Nova York com influências de danças afro-americanas e de danças europeias como a Juba Dance e o sapateado irlandês. Metade da população de Manhattan no século XIX era de negros e imigrantes irlandeses o que fez com que o sapateado americano começasse a brotar principalmente dentro do minstrel show, a principal forma de entretenimento do americano daquele tempo. Foi lá que o blackface surgiu. Pessoas brancas pintavam suas caras de preto para representar pessoas negras de maneira extremamente racista e fazer piada com isso. Foi nessa época que surgiu também o primeiro a dançar num estilo que lembra nosso sapateado americano atual, o Master Juba.

Nascido como homem livre em 1825, William Henry Lane, o Master Juba, conhecido também como Boz Juba, foi um dos primeiros artistas negros a se apresentar para uma plateia branca além de ser o único a fazer parte de uma companhia branca de menestrel. Para entrar nessa companhia, ele começou se pintando de preto para fingir que era um branco que se pintava de preto.

Juba começou a carreira na adolescência dançando num salão de dança chamado “Almack’s Dance Hall”, no Five Points, um bairro pobre de Manhattan, e já na década de 1840 entrou para o circuito de minstrel show fazendo muito sucesso em Nova York. Quero mencionar aqui que o Five Points, situado no Lower Manhattan, perto de onde hoje é o China Town e o Little Italy, foi um lugar de extrema pobreza, com uma alta densidade demográfica, doenças, gangsters, violência e foi considerado a favela com a maior taxa de mortalidade do mundo no século XIX. Muitos afro-americanos moravam nesse lugar e mais da metade dos moradores de Five Points, após a Grande Fome da Europa, era de imigrantes irlandeses. O escritor britânico Charles Dickens quando esteve em Nova York, em 1842, ficou muito impressionado com a pobreza do bairro de Five Points. Charles Dickens também frequentou o salão onde Master Juba dançava e escreveu dizendo que este era o maior dançarino que ele já havia visto em toda vida.

Master Juba desafiou e derrotou os principais dançarinos brancos, incluindo o mais famoso de sua época, o John Diamond Rice. Por conta disso, Juba foi proclamado o “Rei de todos os dançarinos”. Com todo esse sucesso nos EUA, William Henry Lane fez turnê na Europa e seu auge veio em 1848 quando sua trupe de menestrel foi para as Ilhas Britânicas, recebendo grandes elogios dos críticos dessa terra e chegando a se apresentar para a rainha da Inglaterra. Dizia-se que nunca haviam visto nada parecido. Foi na Inglaterra, inclusive, que Master Juba ganhou o apelido de Boz Juba. A viagem de Charles Dickens aos EUA foi registrada por ele no chamado American Notes e, ao ser publicada, Dickens usou o pseudônimo “Boz”. Quando Master Juba chegou na Inglaterra todos diziam que ele era o Juba do Boz (Boz Juba) para se referir ao dançarino que Dickens escreveu, daí vem esse outro apelido dele.

Porém, apesar de todo esse sucesso, Willim Hanry Lane acabou morrendo por volta dos 27 anos, em 1852 ou 53 (não se sabe ao certo) provavelmente pelo excesso de trabalho e desnutrição. Como Mr. Juba viveu numa época em que a filmagem ainda não havia sido inventada, não temos registro audiovisual dele, mas temos relatos escritos que comprovam seu enorme sucesso e influência mesmo numa época altamente preconceituosa onde a escravidão ainda era realidade para muitos no país dele. William Henry Lane mesclava principalmente a dança irlandesa, pois era a dança predominante nos minstrel shows de Manhattan, com as danças afro-americanas, suas raízes, e influenciou as novas formas de dança americanas que viriam a surgir nessa época, como o jazz e o sapateado. Ele é considerado o melhor dançarino de sua época, sendo o mais influente do sec. XIX e o avô do sapateado norte-americano.

Referências:

Livros:

  • FRANCIS, André. Jazz. Tradução de Antonio de Padua Danesi. 1ªed. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1987.
  • LEWIS, Liza. Sapateado: Fundamentos e Técnicas. Tradução de Marcia Di Domenico. 1ªed. Barueri: Manole, 2016.
  • LUDUEÑA, Miguel Angel. TAP: Uma Mirada desde el hemisfério sur. 1ªed. Buenos Aires: Lud Editor, 2010. 
  • MACHADO, Amália e SALLES, Flávio. TAP: A Arte do Sapateado. 1ªed. Rio de Janeiro: Editora Addresses, 2003
  • MARTIN, Cintia. Toques: Vivendo, Aprendendo e Ensinando o Sapateado. 1ª ed. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2010.
  • STEARNS, Marshall. A História do Jazz. Tradução de José Geraldo Vieira. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1964.

Sites:

Documentários:

  • AMERICAN TAP. Direção: Mark Wilkinson. Produção de Annunziata Gianzero, Rayne Marcusm e Elka Samuels Smith. Estados Unidos: Ivy Media Group Inc., 2018.
  • JAZZ. Direção: Ken Burns. Produção de Ken Burns e Lynn Novivk. Estados Unidos: Florentine Films e Weta, Washington, DC, em associação com a BBC, 2000.

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